terça-feira, 19 de janeiro de 2010

Artigo: "O Trabalhador Como Investidor"

O Trabalhador Como Investidor

Por Paulo Rabello de Castro


O governo Lula anuncia a criação de um FIC – Fundo de Investimento em Cotas do FI-FGTS (Fundo de Infraestrutura do FGTS) no qual seria permitida a aplicação de até 30% do saldo de qualquer trabalhador detentor de Fundo de Garantia. Explicando melhor. O trabalhador com conta ativa de FGTS poderá adquirir cotas num fundo (FIC) que será quotista do Fundo de Infraestrutura (FI), este já existente e administrado pela Caixa. O Conselho Curador do FGTS é o representante coletivo dos trabalhadores no FI.

Por uma lei de 2009, parte dos recursos do FGTS é aplicada, neste momento, em investimento empresariais na área de infraestrutura, com algum risco, mas também com maior retorno esperado do que o rendimento do FGTS comum. O FI – Fundo de Infraestrutura – vai incorporando a rentabilidade estimada dos projetos que compõem sua carteira de investimentos. A quota do FI reflete tal rentabilidade. Embora sem garantia de retorno maior, o FI tem boa chance de alcançar uma valorização que supere a pequena remuneração oferecida no FGTS tradicional, de TR + 3% a.a. A partir da existência do novo FIC, os trabalhadores optantes também poderão compartilhar a rentabilidade de projetos selecionados pela Caixa em infraestrutura, embora arcando com as eventuais desvalorizações de cotas em razão de algum investimento mal sucedido.

O anúncio do FIC é mais uma porta de entrada para o trabalhador no mundo dos investimentos. Repete a vitoriosa experiência de dez anos antes, quando o governo FHC abriu uma janela para aplicação de até 50% do saldo de contas do FGTS num bloco de ações da Petrobras. Em 2000, os trabalhadores com FGTS pegaram “uma carona” na venda de ações a investidores externos. Já no Fundo de Infraestrutura, eles estarão tomando o risco e apropriando a rentabilidade de investimentos em infraestrutura, alguns pouco conhecidos. Desta vez, tudo indica que a Caixa será a única administradora de um exclusivo Fundo de Cotas. Na experiência de 2000, qualquer entidade financeira podia organizar um fundo de aplicação FMP (Fundo Mútuo de Privatização), sendo que algumas entidades de trabalhadores conseguiram organizar o seu próprio, tendo um banco como administrador da carteira.

O Fundo Petrobras da Força Sindical, por exemplo, teve o Bradesco como seu administrador. Contudo, a experiência da venda de ações da Petrobras aos detentores de FGTS deixou a grande maioria dos trabalhadores praticamente de fora do benefício de capturar a valorização que se seguiu nos papéis da empresa. Embora mais de 300 mil contas de FGTS tivessem aderido ao FMP-Petrobras, foram precipuamente as de trabalhadores em escritórios – os chamados “colarinho branco” - aqueles em situações de proximidade à informação sobre o investimento oferecido. Por ser uma beirada da oferta das ações negociada na bolsa de Nova York, não foram permitidas mais que três semanas de divulgação nas portas de fábrica. Na prática, o trabalhador brasileiro de “colarinho azul e macacão” não teve nem como se preparar para entender o que era aquela nova opção de investimento, muito menos decidir investir, buscando um posto de inscrição na entrada ou na saída do trabalho e, antes, recebendo adequada informação sobre as vantagens e riscos do investimento. Posso contar esta história porque continuo acreditando nas possibilidades enormes que a liberação orientada e controlada de recursos do FGTS para aplicações numa diversificada carteira de risco tem para o ganho do trabalhador. Lutei muito para fazer valer o direito do trabalhador ser inserido na venda de Petrobras, como investidor, e poder, afinal, concorrer na compra de ações da grande empresa que todos dizem “ser dele”.

Mas, na hora H, o trabalhador brasileiro foi o prejudicado no leilão, enquanto todas as vantagens ficaram com os estrangeiros que compraram em Nova York. (Algo semelhante está acontecendo agora, de novo, no bloqueio ao direito do trabalhador investir parte do seu FGTS no pré-sal). E, de fato, se o trabalhador tivesse tido tempo de ao menos entender do que se tratava, teria investido com vontade em Petrobras e aderido aos milhões, não aos milhares. Na ocasião, através do Instituto Atlântico, uma entidade não-partidária voltada às melhores práticas públicas, me engagei na defesa da ampla participação da massa de trabalhadores que raramente têm chance de um ganho extra no mercado de capitais, como investidores. Mas não houve grande sensibilidade no governo, salvo para permitir que o trabalhador tentasse se organizar às pressas para compor um Fundo em suas entidades de classe. A grande maioria não entendeu e ficou de fora, assistindo com cara espantada. Parece incrivel que, na ocasião, menos que 100 trabalhadores tenham decidido aplicar no FMP-Petrobras da Força Sindical, que acompanhei mais de perto, e hoje exibe valorização próxima a 1000%.

É fundamental a informação chegue ao trabalhador de “chão de fábrica” e que ele tenha tempo de amadurecer a decisão de investir num fundo de risco. Este é o maior desafio desse novo FIC de Infraestrutura, que será em breve lançado. Além disso, precisam ficar bem explicadas a composição e as garantias dos investimentos na carteira do Fundo de Infraestrutura, não bastando a afirmar que se trata de bons investimentos relacionados à Copa etc. Os investimentos na carteira do trabalhador-investidor precisam ter perspectiva de assegurar retornos interessantes e ressarcimento pontual das obrigações assumidas pelas empresas investidas. O próximo passo seria estudar como liberar um pequeno percentual do fluxo mensal do FGTS de trabalhadores que queiram investir no seu fundo de previdência associativa. Essa é uma outra história interessante, para comentar noutra oportunidade, sobre as imensas vantagens da gradual liberação dos nossos trabalhadores do jugo do ganho salarial sempre fixo e imutável.

*Paulo Rabello de Castro é economista, vice-presidente do Instituto Atlântico chairman da SR Rating e sócio - diretor da RC Consultores. Contato: paulo@rcconsultores.com.br

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